Os julgadores entenderam que os serviços executados por homem em fazenda de ex-companheira ocorreram em interesse da relação conjugal.
“Não se reconhece o vínculo empregatício quando verificado que a prestação de serviços do autor não se dava na condição de empregado, mas de parte da relação conjugal a quem interessava o empreendimento econômico”. Assim se manifestou o desembargador Manoel Barbosa da Silva ao atuar como relator do recurso de um homem que buscava o reconhecimento do vínculo de emprego com sua ex-companheira e as irmãs dela, por período em que executou serviços na propriedade rural pertencente ao grupo familiar.
O entendimento do relator foi acolhido, à unanimidade, pelos julgadores da Quinta Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (MG), que negaram provimento ao recurso. Foi mantida sentença do Juízo da Vara do Trabalho de Araçuaí, que já havia afastado o vínculo de emprego e julgado improcedentes os pedidos formulados na ação trabalhista que o homem ajuizou contra a ex-companheira e as irmãs dela, proprietárias do imóvel.
O autor alegou que a mãe das rés, em razão de sua idade avançada, não podia mais administrar a propriedade e passou a tarefa às suas filhas, incluindo a sua ex-companheira. Disse ter sido contratado pela própria matriarca, que faleceu aos 102 anos. Contou que, no período em que conviveu com uma das filhas da idosa, atuava como gerente da fazenda, com jornada flexível, de forma a compatibilizar este serviço com o de transporte de gado para outros proprietários, o qual fazia por sua conta, com o uso de caminhonete própria.
Ao pedir a reforma da sentença, o autor afirmou que as duas testemunhas ouvidas a seu pedido provaram a existência do vínculo de emprego sustentado, tanto que uma delas chegou a dizer que recebia pagamento através dele, enquanto outra relatou que ele realizou, na propriedade, plantação de cana, aceiros, consertou barragem e ainda cuidou do gado que estava morrendo por causa da seca, confirmando que era o gerente da fazenda e que havia sido contratado pela mãe da ex-companheira. Ressaltou que esta testemunha é o proprietário de um imóvel que faz limite com a fazenda das rés, por isso soube detalhar os serviços que eram executados por ele. Completou dizendo que a juíza considerou apenas as declarações da testemunha das proprietárias do imóvel, que teria comparecido na fazenda por apenas duas vezes e que teria laços de amizade com a mãe das rés, por ter atuado como contador dela por mais de 30 anos. Disse ainda que a ex-companheira se comprometeu a lhe dar um lote como forma de compensar a ausência de salários no período em que prestou serviços na fazenda, mas o negócio acabou não se concretizando.
Mas a tese do reclamante não foi acolhida. Como ressaltou o relator, os depoimentos invocados no recurso não socorrem a pretensão do autor, tendo em vista que a valoração da prova oral empreendida pelo juiz de primeiro grau deve ser prestigiada, pois ele detém a vantagem da imediatidade e está em posição privilegiada para atribuir a cada declaração a credibilidade que merece.
O depoimento do autor chamou atenção do relator. Ele declarou que não recebeu nenhuma remuneração pelos serviços prestados. Disse que recebeu, de sua ex-companheira, “um terreno” e “um Corola que ela tinha“, mas que esses bens teriam sido retomados por ela de forma fraudulenta. Afirmou, expressamente, que: “aí eu falei: não, eu tenho que bota ela na Justiça porque eu vou ficar trabalhando dois anos pra ‘num’ receber nada? (…)”, o negócio que eu fiz com a Helenice, como ela não assumiu, eu falei: dois anos eu não vou perder, eu vou ‘botar a fazenda na Justiça, que aí eu recebo alguma coisa, ué’”!
Segundo pontuou o desembargador, o simples fato de existir uma relação conjugal entre os envolvidos não afasta a possibilidade da coexistência da relação de emprego entre o reclamante e as proprietárias da fazenda. Mas, no caso, com base nas informações prestadas pelo próprio autor, confirmadas pela prova testemunhal, verificou-se que a prestação de serviços do reclamante não se dava na condição de empregado, mas de parte na relação conjugal a quem interessava o empreendimento. O relator ainda observou que a ação foi ajuizada pelo autor no intuito de se ressarcir pelo eventual descumprimento de outro negócio que teria sido entabulado com sua ex-companheira, sobre a cessão de um imóvel.
“Na Justiça do Trabalho, vez por outra, surgem reclamações pretendendo reconhecimento da relação de emprego entre familiares, o que é perfeitamente possível, desde que fiquem robustamente provados os requisitos do contrato de trabalho”, destacou o julgador. Ponderou que, para se caracterizar uma relação jurídica de emprego, é imprescindível a conjugação dos seguintes pressupostos: pessoalidade do prestador de serviços, trabalho não eventual, onerosidade da prestação e subordinação jurídica. “Apenas o somatório desses pressupostos fáticos é que representará o fato constitutivo complexo do vínculo de emprego”, arrematou, negando provimento ao recurso, no que foi acompanhado pelos demais julgadores da Turma.Processo
- PJe: 0010420-25.2020.5.03.0141 (ROT)