Denúncias serão encaminhada para o Ministério Público Federal (MPF), Polícia Federal (PF) e para a Câmara de Vereadores de Caxias do Sul
As Defensorias dos estados da Bahia e do Rio Grande do Sul elaboraram e protocolaram, na tarde desta quarta-feira (1), uma representação na Comissão de Ética da Câmara de Vereadores de Caxias do Sul (RS) pedindo a cassação do mandato do vereador Sandro Luiz Fantinel por falas xenofóbicas contra baianos(as). Em sessão, na última terça-feira (28), o vereador aconselhou que agricultores(as), produtores(as) e empresários(as) do setor agrícola não contratem pessoas da Bahia e as definiu como “um povo que vive na praia tocando o tambor” e “acostumado com carnaval e festa”.
No documento, os(as) defensores(as) pedem que “seja determinada a notificação do vereador para que apresente sua defesa e que, ao final, após análise do mérito, seja determinada a cassação do mandato, ante a conduta configuradora de violação do decoro parlamentar e tipificada como crime de racismo na Lei federal nº 7.716/89, bem como, nos termos da legislação vigente pertinente”. Além do pedido de cassação, os(as) defensores(as) públicos(as) protocolaram uma notícia-crime solicitando que sejam adotadas providências por parte do Ministério Público Federal (MPF) e da Polícia Federal (PF) em relação ao político. A medida ocorre por ter conexão aos fatos que estão sendo apurados pelo MPF e PF, em que trabalhadores vindos da Bahia foram encontrados em situação análoga à escravidão em vinícolas localizadas na Serra Gaúcha.
No pedido, os defensores destacam que o parlamentar “expressamente incita a prática de crime (art. 286 do CP) e faz apologia (art. 287 do CP) ao delito de negar emprego a pessoas por motivos de discriminação relacionadas a cor e raça”. “Se a inviolabilidade por opiniões e palavras é garantia democrática, não pode ser invocada em detrimento da própria democracia e da pluralidade que a institui, da qual é guardiã. Dito de outro modo, a imunidade material não pode ser albergue de discursos de ódio e intolerância seja porque inexistem direitos ou liberdades absolutas, seja porque, caso assim se admitisse, estaria o ordenamento jurídico condenado à ruína por acolher tão grave contradição”, comentou o defensor público Domingos Barroso da Costa.
A defensora Vanessa Nunes afirma que é de extrema importância a construção de um posicionamento e de ações que responsabilizem o vereador e que estabeleça e um posicionamento antirracista. “O vereador faz referência ao toque do tambor, ao carnaval… Ele discrimina um grupo de trabalhadores associando ao fato de serem baianos, ele faz referência expressa a elementos da cultura negra. E mais do que isso, ele sendo um agente público incita outras pessoas a praticarem a discriminação em uma transmissão de TV pública aberta. Então, além da discriminação de procedência nacional, ela tem um fundo de cor, e tem a sua voz potencializada pelo lugar que ocupa. É uma manifestação antinegros e, assim, ele incide na prática do crime de racismo e xenofobia. O senhor Sandro Fantinel não conhece a nossa cultura, mas vai conhecer agora a nossa cultura jurídica e terá que responder pelo discurso realizado”, afirma a defensora. Vanessa Nunes também conta que está sendo estudada e analisada a elaboração de uma ação de reparação civil pelo dano moral coletivo para o povo baiano acarretado pelas declarações do vereador.
Os pedidos são assinados pelos defensores públicos Firmiane Venâncio Carmo Souza (Subdefensora Pública-Geral da DPE/BA); Alexandre Brandão Rodrigues (Subdefensor Público-Geral para Assuntos Jurídicos da DPE/RS); Vanessa Nunes Lopes (BA); Livia Silva de Almeida (BA); Pedro Paulo Casali (BA); Aline Palermo Guimarães(RS); Rafael Magagnin (RS); Andrey Régis de Melo (RS); Arion Escorsin de Godoy (RS) e Domingos Barroso da Costa, (RS).
A atuação das duas Defensorias começou com a divulgação de uma nota de repúdio em conjunto, na noite da terça-feira. “Traindo o mandato que exerce em nome do povo em sua pluralidade (…) o referido vereador valeu-se do púlpito da Câmara da cidade gaúcha para injuriar e difamar justamente os cidadãos a quem deveria bem representar, os quais, em seu conjunto, constituem o povo brasileiro, que é um só, independente de sua origem ou cor. Mais: traiu a Constituição à qual está submetido”, diz a nota. “Essa nota de repúdio foi só o começo. Estamos estudando uma atuação conjunta histórica, unindo Nordeste e Sul do país contra o preconceito, contra a escravidão, contra os preconceituosos e contra os escravistas”, afirmou o defensor público geral da Bahia, Rafson Ximenes.
Recordando o caso
O vereador Sandro Luiz Fantinel fez um comentário xenofóbico ao usar a tribuna em sessão da Câmara de Caxias do Sul, nesta terça-feira (28) e questionou a repercussão do caso de trabalhadores resgatados em situação de escravidão realizada na cidade vizinha. Em seu discurso xenofóbico, o parlamentar pede que os produtores da região “não contratem mais aquela gente lá de cima”, se referindo a trabalhadores vindos da Bahia, uma vez que a maioria resgatada foi . A maioria dos trabalhadores contratados para a colheita da uva veio daquele estado. Fantinel sugere que se dê preferência a empregados vindos da Argentina, que, segundo ele, seriam “limpos, trabalhadores e corretos”. O deputado estadual Leonel Radde (PT) registrou um Boletim de Ocorrência contra Fantinel. Autoridades manifestaram repúdio à fala do vereador.
O governador da Bahia, Jerônimo Rodrigues (PT) se manifestou no Twitter sobre a fala do vereador: “Eu repudio veementemente a apologia à escravidão e não permitirei que tratem nenhum nordestino ou baiano com preconceito ou rancor. É desumano, vergonhoso e inadmissível ver que há brasileiros capazes de defender a crueldade humana. Determinei, portanto, a adoção de medidas cabíveis para que o vereador seja responsabilizado pela sua fala”, afirmou o governador. O secretário Felipe Freitas da Secretaria de Justiça e Direitos Humanos, afirmou que o governo do Estado, as instituições do sistema de justiça e sobretudo, o povo da Bahia, seguirão mobilizados na luta contra o trabalho em condição análoga à escravidão e continuarão trabalhando em defesa de condições dignas de vida e trabalho para toda população. “Não cederemos a violência, venha de onde vier. Respeite o povo da Bahia”, disse Freitas.
Eduardo Leite, governador do Rio Grande do Sul, também se manifestou no Twitter. “Não representa o povo do Rio Grande do Sul. Não admitiremos esse ódio, intolerância e desrespeito na política e na sociedade. Os gaúchos estão de braços abertos para todos, sempre”, disse Leite. Em nota, a mesa diretora da Câmara de Vereadores afirmou que é a Casa da Representatividade e do Respeito. “A Mesa Diretora não compactua com nenhuma manifestação de preconceito, discriminação, racismo ou xenofobia”.