A DIFICIL ARTE DE DIZER NÃO

A atividade do profissional do advogado pressupõe complexa atividade humana em que o profissional advogado, ao par de se preocupar com as questões técnicas que envolvem o questão posta à sua análise, gere também as emoções, clamores, desejos e esperança de seus clientes.

Sua tarefa essencial está em justamente filtrar das emoções as pretensões legítimas, amparadas pelo sistema jurídico, evitando demandas temerárias e “aventuras jurídicas”.

À Advocacia pública tal tarefa é amplificada sobremaneira visto que a análise equivocada ou medrosa dessa premissa conduzirá prejuízos inestimáveis, posto que redundará em prejuízos à toda coletividade, não apenas em seu efeito mais imediato e vistoso, o financeiro, mas também em valores como a estabilidade social, jurídica e política.

Contudo, o advogado público atua com esse filtro à duas realidades que, àqueles que não atuam diretamente na administração pública soa teórico, mas são bastante concretas e, não raras vezes conflitantes: o interesse do Governo e os interesses do “Estado”.

O Governo imbuído de seu legítimo interesse de fazer valer seus planos, sua ideologia, suas prioridades, deve conduzir todas as suas atividades amparadas na legalidade, mas por vezes, a legalidade implica em adiamento de decisões, seja porque exigirá atividade legislativa a ser negociada junto ao Poder Legislativo; seja por questões orçamentárias ou qualquer outra questão da gestão financeira.

Então, a quem compete confrontar as pretensões do Governo com a legalidade e, para preservar a ordem jurídica, cravar a resposta “NÃO”? Ou, ainda que venha o “SIM”; apontar que alcançar aquele resultado deve ser percorrido caminho mais tortuoso, mais cadenciado.

Evidente que o advogado público, nesta tarefa, deve ponderar sim as pretensões do Governo, quando legítimas, mas ancorar-se na legalidade, e ao final, tutelar os interesses de seu verdadeiro cliente, a coletividade.

Mas, não apenas internamente o Advogado Público tutela os interesses coletivos.

O Advogado Público assume a tarefa de tutelar os interesses do Ente nas demandas judiciais que são promovidas às centenas, milhares a depender da esfera de governo, contra toda sorte de pretensões dos jurisdicionados.

A sociedade em que vivemos está marcada pela judicialização de todo e qualquer “problema” que tenha que ser superado e gerido pelas pessoas, infelizmente, e sem pretensão científica, porque carente de dados, a advocacia privada, na necessidade de buscar clientes e demandas em razão do excesso no profissionais disputando o mercado, não exercem o filtro citado no início deste texto com a profundidade que a ética profissional exigiria e, resultado, se avolumam demandas cujas pretensões sejam duvidosas.

Mesmo aquelas que na origem tenham fatos que possam ser debatidos, há uma supervalorização da pretensão; agregando danos morais inexistentes ou exagerados; pretensões artificialmente sobrevalorizadas em razão do nefasto costume de entender a Administração Pública como uma fonte inesgotável de recursos, ao menos para atender aos meus interesses pessoais.

Raciocínio que ninguém publicamente defende, mas intimamente motiva muitas das demandas: “Por que não tirar proveito? Se todos o fazem, se pago meus impostos?”

A Advocacia Pública estruturada, atuante e eficiente é verdadeira inimiga daquele ranço histórico que ainda permeia setores de nossa sociedade de que é “fácil litigar e ganhar dinheiro” em processos promovidos contra a Administração Pública.

Novamente, o Advogado Público exerce seu dever de dizer NÃO às pretensões exageradas; desmotivadas ou egoísticas.

Por vezes, é mal entendido pelos administrados que encontram resistência no que entendem como legítima pretensão.

Mas, a tarefa do advogado público está em preservar o interesse coletivo; não se despreza, por outro lado, as repercussões humanas de cada pretensão, mas a despeito destes interesses individuais diretos, a manutenção da legalidade e do interesse público, ao final e ao cabo, regressa em benefício deste mesmo indivíduo.

Ao Advogado Público se roga que permaneça seguindo o caminho tortuoso e conflitante do “não”, guardando forças para não deixar-se seduzir pelo caminho mais tranquilo do “sim”.

Antonio Guilherme de Almeida Portugal, membro da Comissão de Advocacia Pública