A flexibilização da posse de armas no Brasil

O presidente Jair Bolsonaro editou decreto alterando as regras para a obtenção do registro de arma de fogo no país. A norma é importante porque regulamenta dispositivos contidos na Lei 10.826/03, também conhecida como Estatuto do Desarmamento. Deve-se destacar que no governo do ex-presidente Michel Temer foram editados os Decretos 8.935/2016 e 8.938/2016, que já afrouxavam os requisitos para a posse de arma de fogo, não se tratando, portanto, de postura exclusiva do novo presidente. Existem, ainda, projetos de lei tramitando no Congresso Nacional que visam à revogação do Estatuto do Desarmamento.

            O primeiro ponto que merece destaque é a diferença entre posse e porte de arma de fogo. O objetivo do decreto foi tornar mais simples o procedimento para aquisição de arma de fogo e sua posse, ou seja, a manutenção do instrumento na residência ou empresa do cidadão, por exemplo. Não se modificou absolutamente nada a questão do porte de arma de fogo que permitiria transportar e carregar o objeto em território nacional. Nem poderia ser diferente porque este tema é regulamentado pelo Estatuto do Desarmamento e só poderia ser modificado via Congresso Nacional e não por iniciativa do chefe do Poder Executivo.

            De qualquer forma, vê-se o abrandamento quanto à demonstração da “necessidade” da posse de arma de fogo, que ficava a critério da Polícia Federal de acordo com sua discricionariedade. O que fez o decreto foi exatamente preencher o requisito “necessidade”, indicando hipóteses legais de configuração, tais quais: ser residente em área rural, residente em áreas urbanas com elevados índices de violência, titular de estabelecimentos comerciais ou industriais, dentre outras. Os demais requisitos, comprovação de idoneidade pelos antecedentes criminais, documento comprobatório de ocupação lícita e residência certa, capacidade técnica e aptidão psicológica, foram mantidos pela normativa.

Diante disso, o resultado prático de fornecer armas à população como forma de coibir os graves problemas de segurança pública é altamente duvidoso, até mesmo porque a aquisição do instrumento somente é acessível à parcela reduzida da população, diante do alto custo envolvido em todo o processo.

            Existem pesquisas conduzidas pela Fundação Getúlio Vargas que demonstram o menor crescimento de homicídios com emprego de arma de fogo após o Estatuto do Desarmamento. É bem verdade que a lei não teve o condão de diminuir a violência como um todo, pois sua atuação positiva foi diretamente vinculada aos crimes de homicídio. No entanto, os crimes patrimoniais com emprego de violência por meio de arma de fogo também tiveram queda, com a substituição pela violência física ou outras armas. De qualquer forma, a partir dos dados empíricos, é possível concluir que a restrição à circulação de armas de fogo produz efeito direto ao tipo de violência produzida.

            O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada divulgou pesquisa concluindo que a difusão de armas de fogo concorre para o aumento da taxa de homicídios e não possui efeito sobre a taxa de crimes contra a propriedade.

            Desse modo, a edição do Decreto apresenta-se muito mais como medida para atender as promessas de campanha – o que também é válida no campo da política -, mas sem qualquer efeito prático para fins de diminuição da criminalidade. Ao invés de se investir nas forças de segurança pública, o governo preferiu adotar caminho mais cômodo de relativizar as condições do registro de arma de fogo, dando a falsa impressão de proteção à sociedade.  É consenso que a solução da segurança pública no Brasil exige postura enérgica das autoridades, no entanto, o problema se dá por fatores sociais, econômicos, culturais etc., que não pode ser solucionado mediante discursos populistas. Simplesmente aumentar o número de armas de fogo em circulação não gera melhora no quadro vigente.

Por fim, nunca se defendeu que a proibição do Estatuto do Desarmamento seria a solução única para a segurança pública, porém é inegável que trouxe impacto relevante na diminuição da criminalidade tida como mais violenta.

Rafael Junior Soares

Coordenador da Comissão dos Advogados Criminalistas da OAB-Londrina e Professor de Direito Penal da PUC/PR