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CLT chega aos 80 anos com disputas em torno de reforma trabalhista de 2017

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Lei das Terceirizações e revisão da legislação feitas pelo governo Temer são alvo de debates

O vigilante Silvio Severo, 51 anos, trabalha desde os 19, sempre com carteira assinada. Já foi auxiliar de cozinha em hotel e restaurante, segurança para clubes e festas, além de empregado em supermercados. Há dois meses, Severo foi demitido da empresa de segurança em que trabalhava por cortes de gastos, o que lhe garantiu o direito à remuneração mensal do seguro-desemprego em meio à busca por uma nova oportunidade.

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— Não é o suficiente, mas tá me ajudando enquanto procuro emprego. Não pretendo ficar muito tempo fora do mercado. Estou otimista. Fiz meu curso de reciclagem e minhas licenças estão todas em dia — diz o vigilante, que foi a uma unidade do Sistema Nacional de Emprego (Sine) em Porto Alegre para buscar vagas na segurança privada.

Implementado em 1986, o seguro-desemprego que Severo usufrui garante assistência ao empregado dispensado sem justa causa. Assim como o 13º salário, as férias ou a jornada de até 44 horas semanais, direitos estabelecidos para quem trabalha conforme a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), legislação instituída em 1º de maio de 1943.

Criada durante a ditadura do Estado Novo (1937-1945), de Getúlio Vargas, para apaziguar sindicatos, evitar um levante comunista e unificar capital e trabalho em torno de um Estado corporativista, a CLT ultrapassou o projeto de poder varguista, forjou uma consciência de direitos entre os trabalhadores brasileiros e se tornou parte da sua identidade. Agora, a legislação chega aos 80 anos de idade com revisões e mudanças ao longo de sua história.

A maior delas foi a reforma trabalhista de 2017, durante o governo Michel Temer, que alterou uma série de disposições da CLT. Na época, a ideia era combater a crise econômica pela qual passava o país em meio ao impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff. Seis anos depois, o legado da reforma é um campo de disputa. Para uns, os ajustes foram uma “modernização” e, para outros, um retrocesso.

Negociação coletiva

A lei aprovou uma série de mudanças na CLT, como a criação do trabalho intermitente. O dispositivo regularizou o trabalho esporádico, por exemplo, o de garçons e cozinheiros que trabalham em restaurantes apenas aos finais de semana. No quesito sindical, a reforma tornou a contribuição opcional, que antes era via imposto. Além disso, a lei também flexibilizou as formas de concessão dos direitos do trabalhador.

—  O Brasil talvez seja um dos únicos do mundo que alçou os direitos trabalhistas a um patamar constitucional. Eles não podem ser suprimidos, mas flexibilizados. Hoje você pode gozar de três períodos de 10 dias de férias, no lugar de 30 corridos — exemplifica o empresário Alexandre Furlan, presidente da Comissão de Relações de Trabalho da Confederação Nacional da Indústria (CNI), uma das entidades que apoiou a reforma.

Na avaliação de Furlan, o mais importante dos ajustes da reforma foi o que valorizou acordos coletivos entre empregadores e empregados, que privilegiou o “negociado sobre o legislado”. Com isso, a exemplo das férias, outros pontos como jornadas de trabalho, banco de horas e décimo-terceiro foram flexibilizados, de modo que um trabalhador pode, por exemplo, receber a gratificação natalina no mês de seu aniversário.

Impacto nos sindicatos

Por outro lado, a reforma trouxe impactos ao sistema sindical, tanto o de trabalhadores quanto também o patronal. Hoje, parte das entidades já discutem como podem retomar seu poder de negociação sem que isso signifique recriar o imposto sindical. Além da extinção da contribuição obrigatória, sindicatos de trabalhadores deixaram de homologar a rescisão de empregados com mais de um ano de carteira assinada.

— Isso tira o poder de fogo do sindicato de verificar e controlar se o pagamento feito ao empregado é correto. Também surgiu uma maior dificuldade de trabalhadores irem à Justiça. Inclusive, alguns artigos da reforma (que restringiam o acesso gratuito à Justiça do Trabalho) já foram declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal (STF) — explica o desembargador Francisco Rossal de Araújo, presidente do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região Trabalhista (TRT-4) e professor de Direito do Trabalho da UFRGS.

Segundo Rossal de Araújo, a retomada da força dos sindicatos e críticas ao modelo atual de terceirização têm sido as pautas mais caras aos setores trabalhistas, enquanto a defesa da “prevalência do negociado sobre o legislado” tem sido o mais importante do ponto de vista patronal.

A regulamentação do trabalho intermediado por aplicativos – como os de tele-entrega ou motoristas – também devem ser alvo de regulamentação para “garantir um patamar mínimo civilizatório” para trabalhadores que estão na informalidade, segundo a procuradora do trabalho Lydiane Machado, vice-presidente da Associação Nacional dos Procuradores e das Procuradoras de Trabalho (ANPT).

— Hoje temos uma massa de trabalhadores considerados autônomos, mas que, quando você vai verificar os requisitos da relação de emprego, eles estão lá presentes à subordinação, mas não há carteira assinada porque são considerados autônomos. São, por exemplo, entregadores que trabalham 14, 17 horas por dia e se vêem envolvidas em acidentes de trabalho sem o amparo necessário — afirma.

Terceirização e “pejotização”

Apesar de não ter integrado a reforma trabalhista, na mesma época foi aprovada também a chamada Lei das Terceirizações, que autorizou a “terceirização irrestrita” e tem sido questionada como uma regra que “precarizou” relações de trabalho, de acordo com a procuradora. Além disso, a norma também teria fomentado o avanço da “pejotização”, fenômeno em que trabalhadores são contratados via pessoa jurídica, e não mais por meio da CLT, diz Lydiane.

— Uma empresa de programação pode não ter empregados, por exemplo. Todos que prestam serviços para ela ou são terceirizados, ou intermediados por outra empresa, ou contratados diretamente via pessoa jurídica. Isso também gera relações de trabalho precarizadas. Ou seja, a terceirização é permitida como forma de gestão de negócio para atividades-meio da empresa. Esses pontos são da ordem do dia e devem dominar esses debates — diz.

A procuradora explica que muitos trabalhadores têm preferido ser “pejotizados” porque, em princípio, a modalidade oferece um padrão de remuneração aparentemente maior, mas fora do sistema de previdência. Isso significa que a pessoa fica sem cobertura diante de acidentes de trabalho, doença, aposentadoria ou demissão, por exemplo. Além disso, o salário, do ponto de vista patronal, traz custos menores pela isenção das despesas previdenciárias, que são incorporados ao patrimônio da empresa e não são repassados ao trabalhador.

Furlan, no entanto, diz que “pejotização não é terceirização”, já que o regramento foi feito para melhorar a produtividade das empresas e não ser usada para mascarar vínculo empregatício. O empresário também ressalta que “exceções” como o caso de trabalho análogo à escravidão na colheita de uvas da serra gaúcha que envolvem prestadoras de serviços terceirizados e lembrados por críticos à modalidade não devem ser tomadas como regra.

Hoje, o Senado Federal discute o Estatuto do Trabalho, um projeto de lei criado pelo senador gaúcho Paulo Paim (PT) como resposta à reforma trabalhista e a lei das terceirização de 2017. A ideia é que a legislação seja uma “nova CLT” e regule todas as relações de trabalho, inclusive o fornecido por meio de aplicativos. Hoje, o projeto está em discussão na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado Federal.

Fonte: PEDRO NAKAMURA - GZH
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